domingo, 10 de maio de 2009

Histórias de vida



"O marido da minha prima Alice
Nos anos 80, a minha prima Alice estava feliz – ia casar com o Laurindo. Estava tudo pronto: o vestido de noiva na última prova, a cozinheira contratada para o banquete, as cabeças de gado para a chanfana, já compradas, os pratos para o arroz doce, lavados e empilhados (na minha aldeia não há casamento sem arroz doce e chanfana) e os convites já tinham sido enviados. Um dia, muito perto da data marcada, fui lá à aldeia e encontrei-a por acaso e ela, preocupada, mostrou-me umas manchas escuras que lhe tinham aparecido nas pernas. Eu não gostei nada do que vi e trouxe-a para Coimbra, para fazer umas análises, ao sangue. No dia seguinte o médico mandou-a chamar para repetir o hemograma. Depois, nesse mesmo dia, mandou chamar o pai e disse-lhe que a Alice tinha de ser internada. Ainda o estou a ver, destroçado e sem chão (enquanto Alice, ainda sem perceber bem o que lhe estava a acontecer, chorava), a dizer ao médico que a filha não podia ser internada, porque estava para casar. O médico explicou-lhes que isso não ia acontecer, porque ela contraíra uma leucemia e tinha de ser internada, urgentemente. E foi internada, como tinha que ser e cumpriu aquele conhecido e doloroso calvário dos ciclos de quimioterapias, das recidivas e de mais quimioterapias, das alopécias, dos lábios rebentados, de mais quimioterapia e nada de melhorar, mas, o noivo, o Laurindo, sempre que o trabalho lhe permitia, lá estava no Hospital, junto dela. Um dia, o pai de Alice, homem simples e prático, chamou-o à parte e, com a morte na alma, disse-lhe que ele era muito novo, tinha a vida toda pela frente, que fosse tratar da vida, arranjar outra mulher e casar, porque a filha, a Alice, estava perdida. O Laurindo, ofendido, disse-lhe que nem pensar nisso, enquanto a Alice fosse viva ele estaria ao lado dela, se ela morresse então pensaria em qualquer coisa, mas, agora, ficava ali, só queria pensar nela. Comoveu-me a grandeza dele e aquele amor incondicional. Conheço muitos casos em que o namoro ou mesmo o casamento “foram à vida”, quando tiveram que lidar com uma doença daquele tipo. Alice não melhorou tão depressa como desejávamos, levou anos a entrar e sair do hospital, mas, um dia, em desespero de causa, disse ao médico que estava cansada daquilo tudo: “ou viver ou morrer, quero fazer um transplante de medula!” O médico avisou-a dos riscos que corria, que até podia não resultar, que podia morrer, etc., mas ela não quis saber, estava decidida a arriscar tudo e, encontrada, num irmão, medula compatível, lá foi para um hospital em Paris, fazer o transplante (naquela altura ainda não se faziam cá). O transplante correu bem e, depois de mais uma “eternidade” no hospital, Alice regressou curada e casou com o Laurindo. Isto já lá vão cerca de 20 anos. Gosto muito daqueles dois, e às vezes digo-lhe: “tu, minha menina, tens um bom Homem”, ao que ela returque: “o teu também não é mau, atura-te!” Sinceramente, nunca percebi o que ela quer dizer com isto!"
Fátima Rosado
http://ww1.rtp.pt/acores/?headline=12&visual=9&tm=20


Li hoje este texto em casa da Alice e do Laurindo. Encontrámo-nos no café e acabámos por passar a tarde em casa deles. Já conhecia este momento menos bom das suas vidas, mas fiquei hoje a conhecer um bocadinho mais... A leitura foi o pilar que nos permitiu passar o resto da tarde a ver e rever as fotos que marcaram as suas vidas... Como quase todos os que por aqui passam sabem, o Laurindo é tio e padrinho do meu marido; e ser padrinho é ser segundo pai... E eu não consigo ver melhor pessoa para ocupar esse grau de parentesco.
Também nós gostamos muito daqueles dois.

3 comentários:

Rolando Palma disse...

Óbviamente... não conheço o Laurindo. Mas por isto, já passei a conhecer... e a gostar. O Laurindo é um homem com H grande, e precisamos de muitos Laurindos, no masculino e no feminino, que não baixem os braços e principalmente, que nunca tomem uma luta por perdida.
Gostei do Laurindo, pronto.
E ainda te queria dizer outra coisa.
Isto da blogosfera, dos blogs, dos posts e dos comentários... é muito mais do que aquilo que parece. Sem querer, todos somos um pouco mais quando aqui escrevemos algo, todos nos superamos a nós próprios, quando decidimos partilhar com os outros ( que nem conhecemos ) momentos bons... e momentos menos bons das nossas vidas.
Tenho descoberto coisas fascinantes aqui, saltitando de blog em blog; mesmo de pessoas que por vezes até conhecemos ... mas que nunca imaginámos que fossem ... pessoas com P grande.

Adoro descobrir como me engano, quando descobro coisas assim...

( Não é este o caso, porque não nos conhecemos, mas pronto, serve para ilustrar o exemplo )

PS: Votos de felicidade para a Alice e o Laurindo. Mercem, de certeza.

Prof.ª disse...

Há momentos menores da vida em que nos olhamos descrentes de tudo e todos... Ao ler este texto, obrigaste-me a acreditar.
bj desta mente desarrumada mas muito agradecida :)

Inês de Castro disse...

Fiquei deliciada com esta história..pela dificuldade..mas principalmente pelo amor que venceu!